Por Elaine Tavares, Jornalista da Agecom/UFSC (Artigo Publicado no Jornal Universitário)
O envelope chegou sem eu saber como. Tinha o meu nome estampado.
Dentro dele, um poema, fotos e uma denúncia: cachorros usados em aulas da medicina são mortos e viram lixo. As fotos revelavam os bichinhos, dentro de sacos pretos, jogados atrás do HU, junto com o lixo hospitalar. Um deles, com as patas e focinho amarrado, outro com a barriga cortada e suturada, outro, sujo de sangue, com uma expressão quase humana, na rigidez da morte. Junto das fotos a pergunta gritante: " Porque? Seres vivos viram lixo. Como tudo o que consumimos e descartamos. Queria entender como alguém consegue sair de uma aula assim, e almoçar, namorar. Isso me dá medo e me entristece. É como se fosse uma guerra covarde em que de um lado está o homem com suas máscaras, seus equipamentos, sua ciência e do outro seres indefesos, ora presos e vivos, ora mortos e lixo". Impossível ficar impassível diante das fotos. O melhor amigo do homem e sua doçura, seu companheirismo.
O melhor amigo do homem que beija a mão de quem lhe bate e olha para o dono com olhos leais.
Volta a cena uma briga nova: os direitos dos animais. Até onde o homem tem direito de dispor da vida de outro ser, ainda que diferente de si? Qual é o limite? Só o próprio humano pode estabelecer. Por isso é hora de discutir mais, refletir, encontrar caminhos. Chocada com as fotos fui onde deveria ir. Na sala da disciplina de Técnicas Operatório, aos fundos do HU. Lá, o professor Armando dAcâmpora, responsável pela cadeira, conta que realmente a disciplina depende destes animais para acontecer. "Como vou treinar um cirurgião sem que ele aprenda a manusear tecidos vivos?", pergunta. Segundo ele é impossível ensinar o manejo do bisturi e todas as técnicas cirúrgicas através de realidade virtual ou programas de computador. "Tu entregarias a tua mãe para ser operada por um cirurgião treinado na realidade virtual?", provoca. o professor Armando explica que os alunos passam por várias etapas de treinamento. Primeiro com laranjas, luvas de borracha e só depois de muito treino, começam a trabalhar com animais. "Os erros técnicos não podem ser cometidos nos seres humanos. O treinamento tem que ser assim. Mas tudo é feito dentro de conceitos éticos universais. Nenhum animal passa por qualquer sofrimento. Eles são anestesiados e depois do trabalho são submetidos a eutanásia. Tudo sem sofrimento ou dor".
Durante um semestre são aproximadamente 300 cachorros que passam pelas mãos dos alunos da medicina. São cães de rua da cidade de Curitiba, comprados especialmente para servirem de cobaias. Destes, 50% permanecem vivos, desde que estejam servindo a alguma experiência. Os demais viram lixo. "Mas eles vão acondicionados em sacos especiais, são lixo hospitalar", argumenta o professor. "Não temos condições de sepultar os animais. Se fosse assim, quando um médico amputa uma perna, também deveria sepultá-la?". Sobre manter vivos os cachorros, Armando diz ser impossível. "Pra teres uma idéia, qualquer pesquisa aqui tem que ser mantida com dinheiro do próprio pesquisador. Não há dinheiro para cuidar destes animais. Para tê-los já gastamos 500 reais por animal. Mantê-los seria inviável".
O estudante Huang Hee Lee, da 11º fase, acredita que as pessoas não devem olhar radicalmente para um lado só. Há que ver os dois lados. Para ele, o trabalho com os animais é uma maneira de garantir uma ação mais eficaz no trato com o humano. Huang Lee não acha que este tipo de prática torne o médico mais frio diante da vida, ao contrário, "dá mais equilíbrio". Ele defende o uso dos animais porque "não há outro jeito e usá-los como experimentação faz com que a probabilidade de erro num corpo humano seja bem menor".
A professora do Departamento de Ecologia e Zoologia , Paula Brugger, diz que não tem dúvida de que todos os procedimentos éticos são utilizados no trato com os animais dentro da UFSC. Mas para ela, é necessário transcender a esta ética. "O que acontece é que a nossa cultura legitimou separar o homem da natureza, considerando os demais seres vivos como objetos a seu serviço, meros recursos, prontos para o uso. Isso tem que mudar. Se a gente se horrorizar diante destas práticas, as alternativas surgem", argumenta. Ela lembra que existem culturas chamadas de primitivas que vêm os animais como seres sagrados, tão sagrados como a vida humana. "E eles são os primitivos", ironiza.
A questão talvez seja abrir o debate, mudar a visão de mundo. Encontrar um ser humano integrado à natureza, que entenda que não só é parte da natureza, como é a própria natureza. Um só corpo, vibrando. Planeta Terra, Universo, uma coisa só. Olhar o mun do assim nos faz ínfimos, insignificantes e, ao mesmo tempo, sagrados, tal qual qualquer outra forma de vida. Que venha um tempo em que a vida não seja mais lixo. Que venha...
Um comentário:
"Como vou treinar um cirurgião sem que ele aprenda a manusear tecidos vivos?" Deve ter se formado em 1950.
"Não temos condições de sepultar os animais. Se fosse assim, quando um médico amputa uma perna, também deveria sepultá-la?" Comparação infeliz e cômica.
"Pra teres uma idéia, qualquer pesquisa aqui tem que ser mantida com dinheiro do próprio pesquisador. Não há dinheiro para cuidar destes animais. Para tê-los já gastamos 500 reais por animal. Mantê-los seria inviável". Ele deve ser prof. substituto ou não tem competência para conseguir verba alguma. Coitado, deve ter vendido a casa para custear os equipamentos q usa...
Com prof.s como esse não é de se espantar q o Brasil não vai para frente!
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